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A ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO IRT E O SEU IMPACTO SOBRE AS FAMÍLIAS, EM TEMPO DE CRISE

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

 

 

                                              

 

A ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO IRT E O SEU IMPACTO SOBRE AS FAMÍLIAS, EM TEMPO DE CRISE 

Foi recentemente publicada a Lei n.º 28/20, de 22 de Julho, Lei que altera o Código do Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho. A lei em questão introduz um conjunto de alterações, nomeadamente, alargando a base tributária, com a inclusão dos rendimentos auferidos pelos efectivos das forças militares e policiais, além da mexida nas taxas contidas na tabela anexa ao Código e que fixam os respectivos escalões. Nesse sentido, no Grupo B são tributados os trabalhadores por conta própria que desempenhem, de forma independente, actividades constantes da lista de profissões anexa ao Código e no Grupo C, os rendimentos percebidos pelo desempenho de actividades industriais e comerciais presumidos, mantendo-se inalterado. 

Uma análise da Lei leva a concluir que as alterações introduzidas aumentou significativamente a carga tributária aos contribuintes do grupo A, não obstante as taxas de imposto para os grupos B e C terem sido reduzidas. Com efeito, aos rendimentos sujeitos a retenção na fonte propõe-se aplicar a taxa de 6,5%, diferente do regime anterior que previa a taxa de 15%, registando-se uma redução de 8,5%, de outro lado, e, no que toca à matéria colectável dos grupos B e C não sujeita a retenção na fonte aplica-se a taxa de 25% diferente da anterior taxa de 30%, registando-se assim uma redução de 5% do tributo.

Outra alteração tem que ver com o alargamento do montante a partir do qual inicia a tributação em sede do IRT, que passa a ser o rendimento a partir dos Kz. 70.000,00, (setenta mil kwanzas) ao contrário dos anteriores Kz. 34.451,00 (trinta e quatro mil, quatrocentos e cinquenta e um kwanzas).

•a)    Perspectiva negativa das alterações introduzidas: 

É manifesto o significativo agravamento do IRT para o Grupo A, essencialmente no que se refere aos rendimentos superiores a Kz. 200.000,00 (duzentos mil kwanzas).

A título meramente exemplificativo, tomemos por base cinco rendimentos distintos, quatro deles acima dos Kz. 250.000,00, e analisemos a tributação do IRT à taxa em vigor:

A) Remuneração de Kz. 150.000,00 - a parcela fixa do imposto a pagar é de Kz. 6.000,00 + 13% do excesso de Kz. 100.000,00 (+ Kz. 6.500,00).

B) Remuneração de Kz. 250.000,00 - a parcela fixa do imposto a pagar é de Kz. 31.250,00 + 18% do excesso de Kz. 200.000,00 (+ Kz. 9.000,00).

C) Remuneração de Kz. 750.000,00 - a parcela fixa do imposto a pagar é de Kz. 87.250,00 + 20% do excesso de Kz 500.000,00 (+ Kz. 50.000,00).

D) Remuneração de Kz. 1.850.000,00 - a parcela fixa do imposto a pagar é de Kz. 292.250,00 + 22% do excesso de Kz 1.500.000,00 (+ Kz 77.000,00).

E) Remuneração de Kz. 2.500.000,00. - a parcela fixa do imposto a pagar é de Kz 402.250,00 + 23% do excesso de Kz. 1.500.000,00 (+ Kz 115.000,00).

Os exemplos acima referenciados demonstram que, no geral, a proposta de alteração ao CIRT impõe um agravamento brutal da carga fiscal, afectando essencialmente os salários/rendimentos de uma classe que até agora luta para subsistir como média-baixa. Ora, numa economia instável como a que o país vive nos últimos tempos, com elevado índice de inflação, agora ainda mais condicionada pela pandemia do Covid 19 que, irremediavelmente, trouxe consigo a recessão ao nível do mundo, será a alteração introduzida pela legislação recentemente aprovada, eficaz ao ponto de perseguir a tão propalada justiça tributária? 

O IRT, diferentemente dos demais impostos, influencia significativamente o agregado das famílias. Por um lado, a alteração no valor do salário isento do imposto, de Kz. 34.450,00 para Kz. 70.000,00, não representa real e objectivamente qualquer justiça, pois de 1 de Janeiro de 2015) até ao presente, o poder de compra sofreu vertiginoso atropelo, razão pela qual, hoje, os Kz. 70.000,00 não chegam a representar sequer metade do poder de compra que os Kz. 34.450,00 detinham em 2015. Ou seja, os Kz. 70.000,00 não representam sequer a reposição do poder de compra de quem, a 1 de Janeiro 2015, auferia Kz. 34.450,00. Mas por outro lado, a coberto deste aparente alívio fiscal para esse grupo de contribuintes, impõe-se um brutal agravamento fiscal para a generalidade dos salários. Acresce que esta iniciativa aparece no quadro de crise que ninguém pode ignorar, razão pela qual difícil será demonstrar que a mesma comporta qualquer conceito de justiça.

Uma sociedade como a nossa, poder-se-ia falar em verdadeiro alívio do agravamento se, de facto, a função social do Imposto, nomeadamente a justa distribuição da riqueza resultante da receita do tributo, que pode consubstanciar-se na utilização de bens e serviços públicos dignos, o que, de certo modo, constituiria uma contrapartida para os Contribuintes, se efectivasse.

A doutrina brasileira, num artigo sobre Justiça Tributária publicado a 01 de Setembro de 2009, adianta que "O princípio da justiça tributária encontra vida, alma e impulso na virtude da justiça. Esta leva o contribuinte virtuoso a viver como cidadão que luta por uma ordem tributária socialmente mais justa.[...]"

 Por Fabíolla Kataryna de Macêdo Menezes, Advogada, especialista em Direito Tributário e Mestre em Assessoria Jurídica de Empresa, in artigo sobre Justiça tributária: questão de cidadania. O princípio da capacidade contributiva, (https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/justica-tributaria-questao-de-cidadania-o-principio-da-capacidade-contributiva/),

É preciso compreender que o Estado, ao arrecadar tributos deve também definir políticas tributárias dessa arrecadação e a correspondente distribuição das riquezas, com vista a satisfação das necessidades colectivas, traduzidas em melhor sistema de saúde pública, de ensino público, melhor sistema de transporte público, etc., aliviando o contribuinte de despesas que por ele devem ser suportadas independentemente da carga fiscal que paga.

Face ao que se acaba de dizer, muito ao contrário do preconizado, o agravamento fiscal que se introduziu com a entrada em vigor da Lei n.º 28/20 de 22 de Julho, reduziu ainda mais o já fraco poder aquisitivo das famílias, criou maior dificuldade na gestão da vida ordinária, quer no que se refere ao consumo de bens, quer em relação a outra forma de apoio social prestado pelas famílias. Uma dessa forma de apoio é a empregabilidade de pessoal doméstico, uma actividade que se alimenta da capacidade das famílias de gerar rendimentos para esse efeito. Esse sector sofrerá certamente com o previsível maciço despedimento de trabalhadores domésticos. Num contexto social em que o nosso Sistema de Segurança Social não é capaz de assegurar a subsistência dos cidadãos em idade activa mas vítima do desemprego, medidas fiscais meramente voluntaristas podem ter o condão de agravar ainda mais a situação social ao invés de contribuir para a sua melhoria.

A economia actual antevê considerável redução do poder de aquisitivo das famílias, aliás que, prevendo-se um cenário mais grave de redução dos rendimentos das famílias, (salários mais baixos), poderão confrontar-se com a necessidade de despedir trabalhadores domésticos. Trata-se de uma consequência inevitável já que não se vislumbra, da parte do Estado, medidas fiscais de protecção dos Contribuintes, como acontece com os demais países mormente os mais desenvolvidos.